A LETRA
MORTA E O ESPÍRITO VIVIFICANTE
Certa vez o velho mestre, como de
costume, se assentou entre seus poucos discípulos e começou a dissertar sobre
um assunto temerosamente nocivo à humanidade: a letra, que se propõe muitas
vezes à própria sagração, entabulando códigos pétreos que sob a forma de
inexorável verdade, muitas vezes tolhe a busca e concepção da própria verdade.
Disse ele:
"Krishna certa vez falou ao
guerreiro Arjuna: Sou aquele cujas palavras não se escrevem, pois sua tradução
só é possível através do próprio Espírito de cada ser, no qual habito, no qual
Eu Sou. Buda um dia falou: Não acredite em algo porque simplesmente está
escrito em livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e
mestres dizem que é a verdade. Jesus, perdoou a mulher adúltera, não levando em
conta a lei que ordenava apedrejamento para as pessoas que
adulterassem.
As letras foram feitas para que fôssemos
delas alunos, e não seus escravos.
As sagradas essências não são passíveis
de tradução neste grosseiro plano de existência onde, temporariamente,
habitamos. As letras são uma grosseira codificação daquilo que não se escreve.
Elas envelhecem a medida que o espírito humano descortina horizontes cada vez
mais elevados.
Não estou, contudo, a dizer que elas são
inúteis. São elas tão essenciais quanto ao leite materno para as pequenas
crianças que são incapazes de ingerir alimentos sólidos.
Quando fazemos uma peregrinação para
algum local desconhecido necessitamos de um mapa. Porém após muitas idas e
vindas decoramos o caminho, acabamos por descobrir atalhos e, até mesmo, melhores
acessos facilitando nossa jornada, e não precisaremos mais de um mapa, mas
muitos daqueles que desconhecem tais caminhos precisarão dele, se não tiverem
por perto um guia cujo mapa tenha se tornado obsoleto.
Dizem que em certa região dos Himalaias
procuravam uma mina d'água que ficava nas elevadas escarpas. Então resolveram
seguir o caminho do lodo que suas águas faziam ao descer as encostas. Em
determinados trechos formava-se extensos lodaçais onde muitos se atolavam como
em areias movediças. Mas após um longo e penoso caminho a acabaram por
encontrar a mina que jorrava a mais pura água cristalina. Esta, uma vez
localizada, não precisava mais ser acessada através dos caminhos do lodo.
Poderiam contornar o lodaçal por veredas mais elevadas.
Letras, livros, leis, códigos não são
metas, nem fins, muito menos objetos de veneração. São caminhos, veredas,
muitas vezes trilhas em meio ao charco onde poderemos ficar encalhados por um
"longo espaço de tempo".
Deveremos sempre buscar as coisas do
alto, para contornar veredas intransitáveis. Em uma noite escura poderemos nos
perder se trilhamos nossa senda com os olhos na terra. Deveremos seguir a rota
seguindo a direção das estrelas.
Todas as mais sagradas escrituras estão
registradas em nossos próprios corações, e são estas que norteiam às coisas
indizíveis.
“Somos ministros de um novo testamento,
não da letra, mas do espírito, porque a letra mata e o espírito vivifica”,
disse um apóstolo cristão.
A vida não se consiste em letras, mas
caminhos. Os caminhos da plenitude podem até ser iniciados pelos rudimentos de
um mapa, mas lembremos que um mapa, por mais perfeita que possa ser sua
cartografia, sempre será uma grosseira tentativa de se ilustrar a realidade de
um verdadeiro caminho.
Quando não precisar mais de um mapa, é
sinal que seu coração vislumbrou os 'contornos elevados'; portanto siga sempre seu
coração. Se algum dia ele errar, tal erro será um aprendizado muito maior que
um acerto, diferentemente da letra, que nunca reconhece sua falibilidade".
Namastê
Om Tat Sat
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