terça-feira, 26 de março de 2019

A LETRA MORTA E O ESPÍRITO VIVIFICANTE


                                  


                                 A LETRA MORTA E O ESPÍRITO VIVIFICANTE

       Certa vez o velho mestre, como de costume, se assentou entre seus poucos discípulos e começou a dissertar sobre um assunto temerosamente nocivo à humanidade: a letra, que se propõe muitas vezes à própria sagração, entabulando códigos pétreos que sob a forma de inexorável verdade, muitas vezes tolhe a busca e concepção da própria verdade.
       Disse ele:
       "Krishna certa vez falou ao guerreiro Arjuna: Sou aquele cujas palavras não se escrevem, pois sua tradução só é possível através do próprio Espírito de cada ser, no qual habito, no qual Eu Sou. Buda um dia falou: Não acredite em algo porque simplesmente está escrito em livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é a verdade. Jesus, perdoou a mulher adúltera, não levando em conta  a lei que ordenava  apedrejamento para as pessoas que adulterassem.


       As letras foram feitas para que fôssemos delas alunos, e não seus escravos.
       As sagradas essências não são passíveis de tradução neste grosseiro plano de existência onde, temporariamente, habitamos. As letras são uma grosseira codificação daquilo que não se escreve. Elas envelhecem a medida que o espírito humano descortina horizontes cada vez mais elevados.
       Não estou, contudo, a dizer que elas são inúteis. São elas tão essenciais quanto ao leite materno para as pequenas crianças que são incapazes de ingerir alimentos sólidos.
       Quando fazemos uma peregrinação para algum local desconhecido necessitamos de um mapa. Porém após muitas idas e vindas decoramos o caminho, acabamos por descobrir atalhos e, até mesmo, melhores acessos facilitando nossa jornada, e não precisaremos mais de um mapa, mas muitos daqueles que desconhecem tais caminhos precisarão dele, se não tiverem por perto um guia cujo mapa tenha se tornado obsoleto.
       Dizem que em certa região dos Himalaias procuravam uma mina d'água que ficava nas elevadas escarpas. Então resolveram seguir o caminho do lodo que suas águas faziam ao descer as encostas. Em determinados trechos formava-se extensos lodaçais onde muitos se atolavam como em areias movediças. Mas após um longo e penoso caminho a acabaram por encontrar a mina que jorrava a mais pura água cristalina. Esta, uma vez localizada, não precisava mais ser acessada através dos caminhos do lodo. Poderiam contornar o lodaçal por veredas mais elevadas.


       Letras, livros, leis, códigos não são metas, nem fins, muito menos objetos de veneração. São caminhos, veredas, muitas vezes trilhas em meio ao charco onde poderemos ficar encalhados por um "longo espaço de tempo".
       Deveremos sempre buscar as coisas do alto, para contornar veredas intransitáveis. Em uma noite escura poderemos nos perder se trilhamos nossa senda com os olhos na terra. Deveremos seguir a rota seguindo a direção das estrelas.
       Todas as mais sagradas escrituras estão registradas em nossos próprios corações, e são estas que norteiam às coisas indizíveis.
       “Somos ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito, porque a letra mata e o espírito vivifica”, disse um apóstolo cristão.
       A vida não se consiste em letras, mas caminhos. Os caminhos da plenitude podem até ser iniciados pelos rudimentos de um mapa, mas lembremos que um mapa, por mais perfeita que possa ser sua cartografia, sempre será uma grosseira tentativa de se ilustrar a realidade de um verdadeiro caminho.
       Quando não precisar mais de um mapa, é sinal que seu coração vislumbrou os 'contornos elevados'; portanto siga sempre seu coração. Se algum dia ele errar, tal erro será um aprendizado muito maior que um acerto, diferentemente da letra, que nunca reconhece sua falibilidade".

       Namastê
       Om Tat Sat


Nenhum comentário:

Postar um comentário