domingo, 15 de abril de 2018

A ROSEIRA DE MADALA.




                “Eu sou a rosa de Saron, o lírio dos vales. Qual lírio entre os espinhos, tal é minha amiga entre as filhas”. (Cantares 2, 1 e 2).
                Certa ocasião conheci uma pessoa que se dizia missionária de uma determinada igreja que se considerava cristã. Esta missionária inicialmente transpareceu-se como uma pessoa dotada de um elevado conhecimento. Ao transcorrer dos momentos, entretanto, a primeira impressão desvaneceu-se inteiramente diante de meus olhos, pois pude compreender perfeitamente que aquela pessoa era portadora daquilo que vem ser o maior obstáculo para alguém que queira trilhar os caminhos dos seguidores de Cristo, o individualismo acentuado. E todo esclarecimento pretendido da minha parte fora inútil, e até mesmo inoportuno, pois era aquela pessoa convicta naquilo que acreditava ser a sua verdade exclusiva, intitulando-se como liberta em Cristo.
                A liberdade exime nossas pretensões de rotulagem, e aquele que é verdadeiramente liberto não necessita estandardizar nem a si nem aos outros. O amor por si só transcende todas as barreiras impostas pelo convencionalismo de um a equivocada liberdade.
                Conhecer a verdade é conhecer o amor e vivenciar todo o amor, força única de integração cósmica. Vivenciar o amor é deixar de adorar a si próprio e passar a adorar a Deus em toda a sua essência, amando a sua manifestação criadora expressa no mundo que rodeia nossos sentidos, em cada ser, em cada princípio, em harmonia com as leis universais, cada princípio desencadeador de vida, cada fragmento da consciência única. Amando mesmo aquilo que nos parece mal, pois a maldade não é fruto de uma consciência inteiramente má e sim de um segmento expresso em desarmonia com Deus. Judas Iscariotes era membro do colégio apostólico de Jesus, e jamais poderia alguém julgar o apostolado pelas atitudes de Judas, um segmento, e sim pelo exemplo vivo de lealdade dos demais, unos em Jesus.
                Amar é estar liberto, é vencer todas as barreiras e tornar-se feliz, plenamente, à sombra da onipotência que quer que sejamos livres e, acima de tudo despertos pela ação da liberdade. Transformando os instintos em emoções, emoções em sentimentos, e estes transformados em sublimação.
                A verdadeira liberdade é aquela que nos faz despertar do profundo sono, no qual estivemos aprisionados. Pois dormimos em Adão e acordamos em Cristo. Nosso espírito adormecido na matéria morta, através do conhecimento da verdade, renasce no espírito vivificante, e assim nos tornamos renascidos em Espírito e mortificados na carne, uma vez que ela não mais exercerá preponderância sobre nosso Espírito liberto.
                Muitos, porém, são aqueles que acreditam ter conhecido a verdade, mas a “verdade” que eles desejam que seja diferentemente da verdade como ela realmente é. E, em vez de se despertarem, apenas mudam de sonho e continuam dormindo.
                Um homem que está dominado pelos prazeres do vício, deles é um escravo, outro que acredita ser livre simplesmente por que abandonou seus vícios, pode ser também ainda um escravo, escravo de um sacrifício obsessivo da luta contra o pecado que rodeia a sua alma lutando para se manter em vigília. A verdadeira liberdade é a conquista e o domínio de si próprio. Uma vez liberto não só terá domínio sobre seus desejos e paixões, mas sublimará suas vontades transformando-as de defeitos para virtudes, derrotando todos os “demônios” que revolvem a malícia de todos os espíritos sem libertação. Em suma, um liberto tem o seu prazer no bem e possui a felicidade que Deus deseja que tenhamos. “Antes tem seu prazer na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite”. (Salmo 1, 1 e 2).
                Meu velho pai terreno uma vez me contou uma história que a princípio não a dei o devido valor, e nunca comentei mais nada sobre ela. Era a história de Alih e Bashir, chamada “A Roseira de Madala”, sobre a qual muito tempo depois pude exaurir a sua grande mensagem expressa na mais simples narrativa.
                Alih e Bashir eram dois alunos de um velho mestre sufi. E este cultivava com muito cuidado uma bela roseira, a Roseira de Madala, disposta sobre um alto vaso de grandes proporções. E esta necessitava ser freqüentemente adubada com esterco, com o qual o velho mestre lotava até a borda do alto vaso. Uma vez o velho mestre chamou seu aluno Alih, o qual, diferente de Bashir, era de elevada estatura, e mandou que fosse ao jardim suspenso, onde ficava o vaso e cheirasse a roseira. Alih cumprindo o desejo de seu mestre retornou a ele relatando-lhe a delícia do perfume que exalava de suas rosas. Pouco depois chamou o velho mestre seu outro aluno Bashir, de pequena estatura, e pediu-lhe que fizesse o mesmo que seu companheiro Alih. Seu nariz, porém, alcançou somente até a altura da borda do vaso, pôde sentir então apenas o odor do estrume e gostou, pois fê-lo recordar o cheiro dos estábulos em que brincava quando criança, e relatou suas impressões ao velho mestre, o qual disse por fim: “Assim são os homens que tem acesso às escrituras”.
                A história termina dessa maneira, curta, e aparentemente vazia. Mas, pensemos: as letras, as escrituras estão ao alcance de todos, seu acesso é fácil, a diferença é que alguns alcançam a sublimidade expressa nessas escrituras, outros, apenas o fanatismo, acreditando serem os portadores do conhecimento de uma verdade única. O cheiro da rosa é melhor que o do estrume, mas a altura espiritual de cada um permite apenas que se sinta um odor ou outro. Os espiritualmente mais elevados sentem o perfume da rosa, os demais o cheiro do estrume, sentindo-se realizadas porque não conhece outro cheiro além deste.
                Nesta história há também a alegoria do mistério do graal, impresso no nome Rosa de Madala, porém seria por demais extenso descrevê-la em um simples texto.        Toda esta pequena alegoria talvez seja a mais bela que já me chegou ao conhecimento.         
                Há certo tempo atrás um líder religioso de uma potencia estrangeira, sugeriu que o serviço secreto de seu país assassinasse um presidente de um país sul-americano, que fazia uma política hostil aos interesses econômicos de seu país. Uma pessoa que se auto proclama como servidor do Deus do amor, da paz e da misericórdia jamais poderia desejar o assassinato de alguém, sob qualquer pretexto ou dentro de quaisquer circunstâncias. Servir a Deus que ordena que se amem os próprios inimigos, é servir à compreensão, e buscar na fé a solução para toda espécie de problemas, e ter fé que o Deus onipotente possa resolver as tribulações sem que para isso seja necessário sujarmos nossas mãos com o sangue de outros irmãos, sejam eles justos ou ímpios.
                Comparando a Bíblia com a Roseira, este líder certamente não alcançou seu nariz além das bordas do vaso.
             Os furacões atingem justos e ímpios, as chuvas mansas beneficiam bons e maus, os momentos transcorrem independentemente dos merecimentos, a vida flui da mesma forma tanto para os avaros quanto para os generosos, os bens terrenos passam como a areia fina que escorre por entre nossos dedos. Permanecem apenas os bens eternos que podemos extrair das situações da vida como aprendizado, para que sejam o revestimento de um corpo imortal. Estes bens são o perfume espiritual que emana do sopro divino presente em todas as coisas. Como a formulação alquímica que engendra o ouro a partir de metais sem valor algum.    É o perfume do amor difundido na compreensão, na fraternidade, na solicitude, na misericórdia, na solidariedade, sabor da essência que nasce do alto, contrastante com o odor dos dejetos que tendem à mesma transformação de tudo aquilo que não passa de matéria. Necessário é que elevemos nossa altura muito além das “bordas do vaso”, e para que isto seja possível basta saber que o amor nunca exclui, tudo perdoa, tudo une, nunca separa.
                Lembremos que o velho mestre tinha seus alunos como iguais, apesar da diferença existente entre eles. E mesmo que o mais baixo pudesse, por ventura, não amar aquele que era mais alto, o outro certamente amava o menor, e o mestre amava a ambos. Pois mesmo que se possa sentir apenas o cheiro do estrume, o perfume da rosa não deixará de existir, estará lá a espera do momento em que possa ser alcançado. Não esqueçamos, contudo, que para poder exalar o seu perfume a rosa necessitaria estar viva, e para que estivesse viva necessitaria também do estrume. Ora, o perfume era a transformação sublime do próprio estrume. Assim são os Homens. A pedra polida é a pedra bruta trabalhada. O lótus nasce do lodo. É possível transformar os odores, é preciso que se cresça, é essencial que se desperte.
Namastê.
Om tat sat.



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