“Eu
sou a rosa de Saron, o lírio dos vales. Qual lírio entre os espinhos, tal é
minha amiga entre as filhas”. (Cantares 2, 1 e 2).
Certa
ocasião conheci uma pessoa que se dizia missionária de uma determinada igreja
que se considerava cristã. Esta missionária inicialmente transpareceu-se como
uma pessoa dotada de um elevado conhecimento. Ao transcorrer dos momentos,
entretanto, a primeira impressão desvaneceu-se inteiramente diante de meus
olhos, pois pude compreender perfeitamente que aquela pessoa era portadora
daquilo que vem ser o maior obstáculo para alguém que queira trilhar os
caminhos dos seguidores de Cristo, o individualismo acentuado. E todo esclarecimento
pretendido da minha parte fora inútil, e até mesmo inoportuno, pois era aquela
pessoa convicta naquilo que acreditava ser a sua verdade exclusiva,
intitulando-se como liberta em Cristo.
A
liberdade exime nossas pretensões de rotulagem, e aquele que é verdadeiramente
liberto não necessita estandardizar nem a si nem aos outros. O amor por si só
transcende todas as barreiras impostas pelo convencionalismo de um a equivocada
liberdade.
Conhecer
a verdade é conhecer o amor e vivenciar todo o amor, força única de integração
cósmica. Vivenciar o amor é deixar de adorar a si próprio e passar a adorar a
Deus em toda a sua essência, amando a sua manifestação criadora expressa no
mundo que rodeia nossos sentidos, em cada ser, em cada princípio, em harmonia
com as leis universais, cada princípio desencadeador de vida, cada fragmento da
consciência única. Amando mesmo aquilo que nos parece mal, pois a maldade não é
fruto de uma consciência inteiramente má e sim de um segmento expresso em
desarmonia com Deus. Judas Iscariotes era membro do colégio apostólico de
Jesus, e jamais poderia alguém julgar o apostolado pelas atitudes de Judas, um
segmento, e sim pelo exemplo vivo de lealdade dos demais, unos em Jesus.
Amar
é estar liberto, é vencer todas as barreiras e tornar-se feliz, plenamente, à
sombra da onipotência que quer que sejamos livres e, acima de tudo despertos
pela ação da liberdade. Transformando os instintos em emoções, emoções em
sentimentos, e estes transformados em sublimação.
A
verdadeira liberdade é aquela que nos faz despertar do profundo sono, no qual
estivemos aprisionados. Pois dormimos em Adão e acordamos em Cristo. Nosso
espírito adormecido na matéria morta, através do conhecimento da verdade,
renasce no espírito vivificante, e assim nos tornamos renascidos em Espírito e
mortificados na carne, uma vez que ela não mais exercerá preponderância sobre
nosso Espírito liberto.
Muitos,
porém, são aqueles que acreditam ter conhecido a verdade, mas a “verdade” que
eles desejam que seja diferentemente da verdade como ela realmente é. E, em vez
de se despertarem, apenas mudam de sonho e continuam dormindo.
Um
homem que está dominado pelos prazeres do vício, deles é um escravo, outro que
acredita ser livre simplesmente por que abandonou seus vícios, pode ser também
ainda um escravo, escravo de um sacrifício obsessivo da luta contra o pecado
que rodeia a sua alma lutando para se manter em vigília. A verdadeira liberdade
é a conquista e o domínio de si próprio. Uma vez liberto não só terá domínio
sobre seus desejos e paixões, mas sublimará suas vontades transformando-as de
defeitos para virtudes, derrotando todos os “demônios” que revolvem a malícia
de todos os espíritos sem libertação. Em suma, um liberto tem o seu prazer no
bem e possui a felicidade que Deus deseja que tenhamos. “Antes tem seu prazer
na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite”. (Salmo 1, 1 e 2).
Meu
velho pai terreno uma vez me contou uma história que a princípio não a dei o
devido valor, e nunca comentei mais nada sobre ela. Era a história de Alih e
Bashir, chamada “A Roseira de Madala”, sobre a qual muito tempo depois pude
exaurir a sua grande mensagem expressa na mais simples narrativa.
Alih
e Bashir eram dois alunos de um velho mestre sufi. E este cultivava com muito
cuidado uma bela roseira, a Roseira de Madala, disposta sobre um alto vaso de
grandes proporções. E esta necessitava ser freqüentemente adubada com esterco,
com o qual o velho mestre lotava até a borda do alto vaso. Uma vez o velho
mestre chamou seu aluno Alih, o qual, diferente de Bashir, era de elevada
estatura, e mandou que fosse ao jardim suspenso, onde ficava o vaso e cheirasse
a roseira. Alih cumprindo o desejo de seu mestre retornou a ele relatando-lhe a
delícia do perfume que exalava de suas rosas. Pouco depois chamou o velho
mestre seu outro aluno Bashir, de pequena estatura, e pediu-lhe que fizesse o
mesmo que seu companheiro Alih. Seu nariz, porém, alcançou somente até a altura
da borda do vaso, pôde sentir então apenas o odor do estrume e gostou, pois
fê-lo recordar o cheiro dos estábulos em que brincava quando criança, e relatou
suas impressões ao velho mestre, o qual disse por fim: “Assim são os homens que
tem acesso às escrituras”.
A
história termina dessa maneira, curta, e aparentemente vazia. Mas, pensemos: as
letras, as escrituras estão ao alcance de todos, seu acesso é fácil, a
diferença é que alguns alcançam a sublimidade expressa nessas escrituras,
outros, apenas o fanatismo, acreditando serem os portadores do conhecimento de
uma verdade única. O cheiro da rosa é melhor que o do estrume, mas a altura
espiritual de cada um permite apenas que se sinta um odor ou outro. Os
espiritualmente mais elevados sentem o perfume da rosa, os demais o cheiro do
estrume, sentindo-se realizadas porque não conhece outro cheiro além deste.
Nesta
história há também a alegoria do mistério do graal, impresso no nome Rosa de
Madala, porém seria por demais extenso descrevê-la em um simples texto. Toda esta pequena alegoria talvez seja a
mais bela que já me chegou ao conhecimento.
Há
certo tempo atrás um líder religioso de uma potencia estrangeira, sugeriu que o
serviço secreto de seu país assassinasse um presidente de um país
sul-americano, que fazia uma política hostil aos interesses econômicos de seu
país. Uma pessoa que se auto proclama como servidor do Deus do amor, da paz e
da misericórdia jamais poderia desejar o assassinato de alguém, sob qualquer
pretexto ou dentro de quaisquer circunstâncias. Servir a Deus que ordena que se
amem os próprios inimigos, é servir à compreensão, e buscar na fé a solução
para toda espécie de problemas, e ter fé que o Deus onipotente possa resolver
as tribulações sem que para isso seja necessário sujarmos nossas mãos com o
sangue de outros irmãos, sejam eles justos ou ímpios.
Comparando
a Bíblia com a Roseira, este líder certamente não alcançou seu nariz além das
bordas do vaso.
Os furacões atingem justos e
ímpios, as chuvas mansas beneficiam bons e maus, os momentos transcorrem
independentemente dos merecimentos, a vida flui da mesma forma tanto para os
avaros quanto para os generosos, os bens terrenos passam como a areia fina que
escorre por entre nossos dedos. Permanecem apenas os bens eternos que podemos
extrair das situações da vida como aprendizado, para que sejam o revestimento
de um corpo imortal. Estes bens são o perfume espiritual que emana do sopro
divino presente em todas as coisas. Como a formulação alquímica que engendra o
ouro a partir de metais sem valor algum.
É o perfume do amor difundido na compreensão, na fraternidade, na solicitude,
na misericórdia, na solidariedade, sabor da essência que nasce do alto,
contrastante com o odor dos dejetos que tendem à mesma transformação de tudo
aquilo que não passa de matéria. Necessário é que elevemos nossa altura muito
além das “bordas do vaso”, e para que isto seja possível basta saber que o amor
nunca exclui, tudo perdoa, tudo une, nunca separa.
Lembremos
que o velho mestre tinha seus alunos como iguais, apesar da diferença existente
entre eles. E mesmo que o mais baixo pudesse, por ventura, não amar aquele que
era mais alto, o outro certamente amava o menor, e o mestre amava a ambos. Pois
mesmo que se possa sentir apenas o cheiro do estrume, o perfume da rosa não
deixará de existir, estará lá a espera do momento em que possa ser alcançado.
Não esqueçamos, contudo, que para poder exalar o seu perfume a rosa
necessitaria estar viva, e para que estivesse viva necessitaria também do
estrume. Ora, o perfume era a transformação sublime do próprio estrume. Assim
são os Homens. A pedra polida é a pedra bruta trabalhada. O lótus nasce do
lodo. É possível transformar os odores, é preciso que se cresça, é essencial
que se desperte.
Namastê.
Om tat sat.
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