É conhecida uma saudação do povo maia: "in lak'ech ala k'in", cujo significado vem ser "eu sou você e você é eu". Não entraremos, porém, nas particularidades que inspiraram tal saudação deste povo tão singular, mas na grandeza metafísica que estas palavras vêm a sugerir. Um código vivo do coração humano traz em si, não apenas a ideia de integração e convergência, mas o entendimento do Espírito de Unidade que, na grande maioria dos casos, passa muito longe das concepções humanas no mundo atual.
Seguimos os caminhos da auto realização, e, com o passar do tempo, descobrimos que tal meta está muito acima do nosso "eu menor", ilusório, impermanente, transitório, e, consequentemente, mortal. A sagração espiritual do gênero humano só pode ser alcançada quando o "Verdadeiro Eu" — o "Eu Maior" é vislumbrado através da elevação dos níveis de consciência.
Mas, o que é o Eu Maior?
É a "consciência crística", livre das ilusões do ego, o renascido na luz da unidade plena. É a consciência que nada julga e tudo compreende.
Há uma frase, atribuída a Mahavatar Babaji, que traz em si talvez um dos maiores ensinamentos de elevação espiritual. Disse ele: "Não existe um santo sem passado, nem um pecador sem futuro".
Todas nossas imperfeições são simples estágios de nossa longa caminhada através dos aeons.
Todo ser iluminado, seja um mestre, seja um santo, seja um avatar de algum ciclo cósmico, já peregrinou pelos caminhos do erro, da insensatez, das trevas da ignorância. E todo ser, ainda que nefasto, eivado da mais abjeta egolatria criminosa, será transformado através dos longos períodos de jornada espiritual. Vivemos em um universo de transformações, o tempo — diz a sabedoria brâhmani — é a semente do próprio universo. A repugnante lagarta de hoje será a borboleta de amanhã. E a borboleta de hoje foi a lagarta de ontem.
E o que as diferencia?
A sucessão dos momentos!
Somos uma resultante de infindáveis sequências circunstanciais, em contínua transformação entre "karmas" e "Dharmas".
Certa vez, foi capturado um assassino estuprador. E, alguém que conhecemos, fez o seguinte comentário: "Um indivíduo desse tipo não tem concerto. Correto seria se houvesse pena de morte e eliminássemos esse câncer da nossa sociedade" — e acrescentou — "Diz um provérbio árabe: 'quem poupa o lobo condena as ovelhas!'".
"Ele é você em outras circunstâncias" — disse um velho mestre ao ouvir seu comentário.
"Eu, em meu juízo perfeito, jamais cometeria tais atitudes abomináveis, velho Mestre, e você sabe perfeitamente disso porque me conhece melhor do que eu mesmo" — asseverou o jovem.
"Certamente que não" — respondeu o mestre — "porém, eu disse 'em outras circunstâncias', se o seu espírito, nos primórdios de sua formação, seguisse os mesmos caminhos evolutivos que a alma dele sequenciou".
"Cada um de nós segue seu próprio caminho" — acrescentou o mestre — "Por essa razão há infindáveis graus evolutivos e toda diferença de caráter, de espírito e de entendimento".
Mas por que há tantos caminhos diferentes, tanta diversidade de seres, tanta maldade entremeando os caminhos do amor e da luz?
Lembremos que, se não existisse o mal, como compreenderíamos a grandeza do amor? Jamais reconheceríamos o amor se não soubéssemos o que é o ódio.
O mal é um de nossos maiores mestres.
Disse um sábio: "Aprendi a tolerância com os intolerantes. Aprendi a sensatez com os insensatos. Aprendi a mansidão com os violentos. Aprendi o respeito com os escarnecedores. Aprendi a ser humilde com os arrogantes".
Sim. São estes mestres rigorosos, mas eficientemente efetivos.
Por esta razão, outro sábio disse a seus discípulos: "O mal é um bem que ainda não compreendemos".
Os caminhos da luz passam pelas regiões mais sombrias e escabrosas. Sem a sombra não existiria a luz e sem a luz não existem, e sem a luz não existiriam as sombras. Uma é necessária à outra para que haja um perfeito equilíbrio. São gradações de uma mesma grandeza.
As verdadeiras batalhas travadas, ao longo da história da humanidade, não são entre o bem e o mal, nem entre a luz e as trevas. A batalha que se faz presente desde o início da jornada evolutiva é entre a verdade e a mentira, a realidade e a ilusão, a consciência e a ignorância.
Disse-nos, certa vez, um mestre dos ensinamentos metafísicos: "Nascemos da energia primordial. Estávamos todos integrados nessa mesma energia. Éramos todos essa energia. Houve então a densificação energética, iniciou-se o caminho das diferenciações. Infinitos níveis de densidade surgiram da própria sutileza. Foram abertos os caminhos das mais diversas circunstâncias".
Sim. Éramos Um. E, na verdade, continuamos sendo Um — se observarmos o universo libertos de "Maya" — as ilusões.
Seguimos a grande viagem do Espírito, chamada vida. Não a vida inserida no contexto de nascimento e desenlace do plano físico, mas a vida que o Espírito trafega entre os planos das diferentes frequências de vibração. Poderemos encontrar inúmeras pessoas ao longo do trajeto, em um mesmo tempo e um mesmo local. No entanto, em diferentes graus de compreensão do universo, da vida e do próprio ser. O "Eu" compreende que cada ser é um viajante no caminho dos aeons. Todos entramos "cegos" nessas veredas que transpassam os horizontes celestes. Começamos, todavia, a visualizar pequenas luzes em meio aos caminhos escuros. Muito a são aqueles que acreditam ser estas pequenas luzes a grande compreensão de todas as coisas e inconscientemente se acham sábios — a pior das ilusões não é a ignorância em si, mas a falsa ilusão do conhecimento — é muito difícil alguém aprender algo que ele acredita que já sabe, ainda que de maneira errônea. Mas, somos sábios diante de ignorantes, assim como somos ignorantes diante daqueles que são ainda mais sábios. Há degraus que já galgamos e degraus que estamos ainda por alcançar. Muito mais difícil que atingir degraus mais elevados é compreender aqueles que ainda trilha degraus inferiores, pois nos acostumamos a esquecer que já estivemos nesses degraus mais ínfimos.
As luzes, gradualmente vão clareando mais e mais conforme prosseguimos ao longo do caminho. Clareando não apenas a nossa visão da trilha que deve ser seguida, mas a compreensão de que somos um momento — um ser anestesiado pela materialidade — que começa a recobrar os seus sentidos e compreender aqueles que seguem a jornada ainda entorpecidos.
"Mas a vereda dos justos é como a luz da alvorada, que vai brilhando mais e mais até ser o dia perfeito". (Provérbios 4, 18).
O "Dia Perfeito" é aquele em que compreendemos perfeitamente a afirmação do povo maia: "Eu sou o outro você!" Nós somos Um — e este é o entendimento daquele que ensina, e pode, com toda compreensão dizer: "Atire a primeira pedra, aquele que se achar perfeito".
Para todas as coisas há seu tempo e modo.
Não adianta adquirir um vasto conhecimento das coisas se não conhecemos o básico: nós mesmos. Conhecemos a nós perfeitamente quando nos vemos em cada ser, em cada circunstância, em cada momento da jornada.
Disse um místico: "Eu era eu e ela era ela. E nós demos as mãos, nos abraçamos fundindo nossa essência dissolvendo toda a separatividade. E por fim olhei em seus olhos como se olhasse em um espelho".
"Esperarei você chegar no caminho das pedras altas" — Disse um sábio hindu — alçarei meus braços para que alcance novos estágios. Depois andaremos juntos, olhando o mundo através de seus olhos e você através dos meus".
Quem teve a oportunidade de ler "Viagem por um Mar Desconhecido", de Jiddu Krishnamurti, certamente concluiu que os caminhos elevados requerem o desprendimento para que possam ser alcançados. O peso do ego dificulta galgar as grandes altitudes. Quanto mais "leves" mais parecidos nos tornamos com aqueles que também se tornaram "leves". Até que nos tornamos iguais, até que nos tornamos Um, atravessando mares e elevando nosso ser às místicas altitudes dos tabernáculos eternos.
Em nossas vidas sempre iremos nos defrontar com as duas pessoas citadas pelo mestre Babaji. Um santo com seu passado e um pecador com seu futuro podem ser muito mais que meras considerações metafísicas. Cada uma dessas duas figuras são o nosso próprio ser desmembrado na sequência das diferenciações. São os nossos mestres do maior entendimento para o verdadeiro caminho da convergência à unidade. É preciso somente que olhemos nos olhos de cada um deles, “como se olhássemos diante de um espelho, podendo dizer, com a voz do espírito: Eu sou o outro você, em outras circunstâncias — e somos o mesmo ser se as circunstâncias não mais existirem“.
Paz e Luz.
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