domingo, 29 de dezembro de 2019

AS SOMBRAS E A LUZ

                                              
 
 
                                                         AS SOMBRAS E A LUZ

       A vida tem um sentido. Todas as coisas tem um sentido, nada é por acaso no universo. O sentido da vida é o retorno à própria origem da vida, o "Filho Pródigo" que retorna aos braços do "Pai" após vivenciar o aprendizado através da dor. A vida é o grande aprendizado. Porém não falo da vida circunscrita entre o nascimento e a morte física, mas na vida que se  desenvolve desde a energia do átomo primordial até o caminho das estrelas. É a grande escola onde elevamos através dos erros e aprendemos através das dúvidas.
       Deus é luz? Sim. Mas as sombras derivam também de sua magnitude imanente. As sombras são nossos erros e nossas dúvidas, e sem os erros e dúvidas estaríamos imersos na grande luz, tão cegos quanto inseridos nas mais densas trevas. O universo é uma dicotomia de luz e sombra, e só poderemos conhecer, tipificar e valorizar a luz através das sombras. Sem as trevas estaríamos na luz mas não saberíamos o que ela é nem o que ela significa sem que a sombra não nos ensinasse a sua essência. Todas as filosofias apregoam a onipresença divina, ela é tudo em todos, a energia primordial que estrutura o universo. Na Sephirah Cabalística mais inferior , Malkuth, está inserida também a Sephirah superior, Kether, sem a qual nada teria existência.
       Disse certa vez um velho sábio após ser picado por um escorpião: "O Mal é um Bem que ainda não compreendemos". Talvez seja esta uma das frases mais perfeitas que externa o sentido da existência. Sem o mal como eu compreenderia o bem? Sem o mal, qual o valor que eu daria ao bem?
       Disse o sábio poeta árabe Gibran Khalil Gibran: "Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores."



       Não podemos nos esquecer que onde existe a luz também existem as sombras, onde existem as sombras também terá que existir a luz, uma depende da outra para que cada uma possa ser visível.

      Quando estudamos a árvore da vida, na Cabala, que são as Sephiroth, nosso estudo só será completo se estudarmos, também, as Qliphoth, ou seja, a "Árvore da Morte", o lado inverso da árvore do conhecimento, a "Otz Daath". Esta árvore, como citada acima, é a Qliphoth, que vem ser o plural de "Qlipha", antítese da "Sephirah" e que tem como significado "casca" ou "concha".
Sem o conhecimento da sombra, da penumbra, dificilmente compreenderemos o poder da luz. Pois tanto a luz quanto a sombra se manifestam, ao mesmo tempo, na presença de uma e de outra. Nenhuma energia pode ser destruída no universo, isto é uma premissa da própria física. As energias são transformadas, seguem o princípio universal da transformação.
       "Não resistais ao mal", já disse o grande mestre, pois conhecia este princípio fundamental da transmutação. Conhecendo o mal e sua essência, saberemos como anulamos suas ações, transformando sua essência através da neutralização. Aqui está a aplicação do grande princípio hermético da polaridade.


       Há uma antiga história sobre um príncipe da Média, em cujo palácio todas as portas de abriam após pressionar uma alavanca para baixo.
Em seu palácio havia muitos gatos e ele resolveu fazer uma experiência com seus animais de estimação. Na hora de alimentá-los, colocava seu alimento no interior de uma caixa de madeira, a qual tinha uma grade lateral que era aberta acionando uma pequena alavanca adjacente à própria grade.
       Para cada gato existia uma caixa de madeira nas mesmas conformações. Os gatos viam a comida, sentiam o cheiro dela e miavam. Ele então pressionava a alavanca e a portinhola se abria. Os gatos então poderiam entrar e saborear seu delicioso alimento.
        Passado alguns dias ele simplesmente deixou de pressionar a alavanca, os gatos viam o alimento e sentiam seu cheiro, miavam e arranhavam a grade. Os servos do príncipe não se conformavam com a fome e o sofrimento dos animais, até que notaram algo. Rapidamente os gatos aprenderam a acionar as alavancas. Pulavam sobre elas e corriam para seus pratos.


       Passado algum tempo os gatos conseguiam abrir todas as portas do palácio e ir onde desejassem.
       O que parecia mal era, na verdade, um aprendizado.
       Uma criança que desobedece as ordens de seus pais e toma um choque ao brincar com a tomada de eletricidade, sofrerá uma dor terrível, porém nunca mais enfiará qualquer objeto nos orifícios da mesma. Será muito mais cuidadosa que outra criança que, obediente a seus pais, não sabe o que é um choque elétrico.
       O mal que o mundo nos faz é um aprendizado, o mal que fazemos no mundo gera o Karma, e o karma é uma lição. Há uma diferença entre aprendizados e lições. As lições são frutos colhidos de nosso plantio, o aprendizado é o conhecimento adquirido através das imperfeições do mundo, indicando-nos os caminhos para que nos distanciemos, cada vez mais, do enlaçamento da materialidade.
       São através dos erros que alcançamos os acertos, e das dúvidas que vislumbramos as convicções.


       As sombras são necessárias para que possamos caminhar  até acostumarmos com uma luz mais forte. E esta luz mais forte só é evidenciada quando pudermos sair do aprisionamento em nosso próprio ego.
       É o nosso próprio ego que nos limita entre tempos e espaços. Fora de nosso ego seremos o Eu aglutinado ao Todo.
       Imaginemos que estamos dentro de  uma torre imensa de 50 andares. E, cansativamente, estamos no vigésimo quinto andar, passamos pelos 24 andares iniciais e conhecemos cada um deles, porém esquecemos muitos de seus detalhes. Dos outros 25 andares acima, nada conhecemos. Os vinte e quatro andares de baixo representam nosso passado, o andar que estamos o instante presente, e os vinte e cinco acima o nosso futuro. A partir do momento em que suprimimos o nosso ego poderemos ver a torre, não mais de dentro, mas do lado de fora. Não há mais passado nem futuro, pois estaremos vivenciando a eternidade.

       Nosso maior adversário é o ego. Porém, sem a experiência do ego jamais chegaríamos à "Grande Realização do Eu". Se fôssemos criados "perfeitos" sem passar pelos árduos caminhos da imperfeição humana, essa "perfeição" não seria "alcançada", mas "doada".
Rabino Yehuda Berg, em seu livro O Poder da Cabala, denomina o "pão da vergonha", aquilo que se recebe sem merecimento, como uma esmola dada a uma pessoa que, desesperadamente, deseja sustentar a si próprio.


       A experiência do ego é o caminho à plenitude.
       Aquele que não mergulhar nos infernos espirituais jamais chegará aos páramos celestes reservados ao "ouro provado a fogo".
       Tudo é divino, nenhuma experiência é em vão, nenhum sofrimento é a toa, nada é por acaso.

        "Bendita seja a crise que te faz crescer, a queda que te faz olhar para o Céu, o problema que te faz buscar a Deus". Disse certa vez um velho sacerdote chamado Pio.