AS SOMBRAS E A LUZ
"Bendita seja a crise que te faz crescer, a queda que te faz olhar
para o Céu, o problema que te faz buscar a Deus". Disse certa vez um
velho sacerdote chamado Pio.
A vida tem um sentido. Todas as coisas tem um sentido, nada é por
acaso no universo. O sentido da vida é o retorno à própria origem da
vida, o "Filho Pródigo" que retorna aos braços do "Pai" após vivenciar o
aprendizado através da dor. A vida é o grande
aprendizado. Porém não falo da vida circunscrita entre o nascimento e a
morte física, mas na vida que se desenvolve desde a energia do átomo
primordial até o caminho das estrelas. É a grande escola onde elevamos
através dos erros e aprendemos através das
dúvidas.
Deus é luz? Sim. Mas as sombras derivam também de sua magnitude
imanente. As sombras são nossos erros e nossas dúvidas, e sem os erros e
dúvidas estaríamos imersos na grande luz, tão cegos quanto inseridos
nas mais densas trevas. O universo é uma dicotomia
de luz e sombra, e só poderemos conhecer, tipificar e valorizar a luz
através das sombras. Sem as trevas estaríamos na luz mas não saberíamos o
que ela é nem o que ela significa sem que a sombra não nos ensinasse a
sua essência. Todas as filosofias apregoam
a onipresença divina, ela é tudo em todos, a energia primordial que
estrutura o universo. Na Sephirah Cabalística mais inferior , Malkuth,
está inserida também a Sephirah superior, Kether, sem a qual nada teria
existência.
Disse certa vez um velho sábio após ser picado por um escorpião: "O
Mal é um Bem que ainda não compreendemos". Talvez seja esta uma das
frases mais perfeitas que externa o sentido da existência. Sem o mal
como eu compreenderia o bem? Sem o mal, qual o
valor que eu daria ao bem?
Disse o sábio poeta árabe Gibran Khalil Gibran: "Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os
intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou
grato a esses professores."
Não podemos nos esquecer que onde existe a luz também existem as
sombras, onde existem as sombras também terá que existir a luz, uma
depende da outra para que cada uma possa ser visível.
Quando estudamos a árvore da vida, na Cabala, que são as Sephiroth,
nosso estudo só será completo se estudarmos, também, as Qliphoth, ou
seja, a "Árvore da Morte", o lado inverso da árvore do conhecimento, a
"Otz Daath". Esta árvore, como citada acima,
é a Qliphoth, que vem ser o plural de "Qlipha", antítese da "Sephirah" e
que tem como significado "casca" ou "concha".
Sem o conhecimento da sombra, da penumbra, dificilmente
compreenderemos o poder da luz. Pois tanto a luz quanto a sombra se
manifestam, ao mesmo tempo, na presença de uma e de outra. Nenhuma
energia pode ser destruída no universo, isto é uma premissa da
própria física. As energias são transformadas, seguem o princípio
universal da transformação.
"Não resistais ao mal", já disse o grande mestre, pois conhecia
este princípio fundamental da transmutação. Conhecendo o mal e sua
essência, saberemos como anulamos suas ações, transformando sua essência
através da neutralização. Aqui está a aplicação
do grande princípio hermético da polaridade.
Há uma antiga história sobre um príncipe da Média, em cujo palácio
todas as portas de abriam após pressionar uma alavanca para baixo.
Em seu palácio havia muitos gatos e ele resolveu fazer uma
experiência com seus animais de estimação. Na hora de alimentá-los,
colocava seu alimento no interior de uma caixa de madeira, a qual tinha
uma grade lateral que era aberta acionando uma pequena
alavanca adjacente à própria grade.
Para cada gato existia uma caixa de madeira nas mesmas
conformações. Os gatos viam a comida, sentiam o cheiro dela e miavam.
Ele então pressionava a alavanca e a portinhola se abria. Os gatos então
poderiam entrar e saborear seu delicioso alimento.
Passado alguns dias ele simplesmente deixou de pressionar a
alavanca, os gatos viam o alimento e sentiam seu cheiro, miavam e
arranhavam a grade. Os servos do príncipe não se conformavam com a fome e
o sofrimento dos animais, até que notaram algo. Rapidamente
os gatos aprenderam a acionar as alavancas. Pulavam sobre elas e
corriam para seus pratos.
Passado algum tempo os gatos conseguiam abrir todas as portas do palácio e ir onde desejassem.
O que parecia mal era, na verdade, um aprendizado.
Uma criança que desobedece as ordens de seus pais e toma um choque
ao brincar com a tomada de eletricidade, sofrerá uma dor terrível, porém
nunca mais enfiará qualquer objeto nos orifícios da mesma. Será muito
mais cuidadosa que outra criança que, obediente
a seus pais, não sabe o que é um choque elétrico.
O mal que o mundo nos faz é um aprendizado, o mal que fazemos no
mundo gera o Karma, e o karma é uma lição. Há uma diferença entre
aprendizados e lições. As lições são frutos colhidos de nosso plantio, o
aprendizado é o conhecimento adquirido através das
imperfeições do mundo, indicando-nos os caminhos para que nos
distanciemos, cada vez mais, do enlaçamento da materialidade.
São através dos erros que alcançamos os acertos, e das dúvidas que vislumbramos as convicções.
As sombras são necessárias para que possamos caminhar até
acostumarmos com uma luz mais forte. E esta luz mais forte só é
evidenciada quando pudermos sair do aprisionamento em nosso próprio ego.
É o nosso próprio ego que nos limita entre tempos e espaços. Fora de nosso ego seremos o Eu aglutinado ao Todo.
Imaginemos que estamos dentro de uma torre imensa de 50 andares.
E, cansativamente, estamos no vigésimo quinto andar, passamos pelos 24
andares iniciais e conhecemos cada um deles, porém esquecemos muitos de
seus detalhes. Dos outros 25 andares acima,
nada conhecemos. Os vinte e quatro andares de baixo representam nosso
passado, o andar que estamos o instante presente, e os vinte e cinco
acima o nosso futuro. A partir do momento em que suprimimos o nosso ego
poderemos ver a torre, não mais de dentro, mas
do lado de fora. Não há mais passado nem futuro, pois estaremos
vivenciando a eternidade.
Nosso maior adversário é o ego. Porém, sem a experiência do ego
jamais chegaríamos à "Grande Realização do Eu". Se fôssemos criados
"perfeitos" sem passar pelos árduos caminhos da imperfeição humana, essa
"perfeição" não seria "alcançada", mas "doada".
Rabino Yehuda Berg, em seu livro O Poder da Cabala, denomina o "pão
da vergonha", aquilo que se recebe sem merecimento, como uma esmola
dada a uma pessoa que, desesperadamente, deseja sustentar a si próprio.
A experiência do ego é o caminho à plenitude.
Aquele que não mergulhar nos infernos espirituais jamais chegará aos páramos celestes reservados ao "ouro provado a fogo".
Tudo é divino, nenhuma experiência é em vão, nenhum sofrimento é a toa, nada é por acaso.